COMBATE AO RACISMO EM TODAS AS INSTÂNCIAS
Ex-cônsul da França na Bahia, Mamadou Gaye protocola Embargo
de Declaração e segue com batalha na justiça por reparação racial
O
ex-cônsul
honorário da França na Bahia, Mamadou Gaye
segue batalha judicial contra o racismo. Alvo de mensagens que feriram sua
“honra objetiva e subjetiva”, como reconheceu o Tribunal de Justiça da Bahia,
Gaye protocola hoje nova medida judicial. O Embargo de Declaração, recurso
processual que permite solicitar ao juiz que esclareça, corrija ou complemente
uma decisão judicial, é a terceira instância da ação movida por Mamadou
Gaye contra o francês Fabien Liquori. A medida tem como objetivo questionar na
justiça o valor de apenas R$ 3 mil estipulado para indenização por danos morais
e a falta de exigência de retratação pública.
Foi
atuando como cônsul honorário da França que Mamadou atendeu o francês Fabien Liquori, que também mora na Bahia e buscava suporte para resolver questões
administrativas sobre um determinado auxílio. Diante da impossibilidade de ter
pedidos atendidos como gostaria, Fabien Liquori passou a difamar Gaye,
questionando sua competência através de mensagens agressivas enviadas por email
e copiando outras instituições. O processo de assédio moral e injúria racial
tem inúmeras provas documentadas das mensagens ofensivas, qualificando Mamadou
como “tirano africano” e expressando o desejo de que o mesmo voltasse para
“seu buraquinho em Paris”.
O racismo sem fronteiras
De
origem senegalesa e naturalizado francês, Mamadou Gaye fez esta semana um
pronunciamento nas suas redes sociais em agradecimento ao apoio que tem
recebido desde que tornou o embate público. “Não se
trata de uma briga entre dois franceses; e sim de mais um caso de racismo que
acontece na Bahia. O racismo é inaceitável em qualquer lugar do mundo. Muitas
pessoas pediram para eu explicar como tudo começou. Não sou eu quem deve explicar a atitude racista de uma
outra pessoa. Até porque o racismo não se explica... O racismo é absurdo!”, avalia o facilitador em transformação cultural das
organizações, mestre em Humanidades e Comunicação pela Universidade de Sorbonne
em Paris.
Imerso
na tese de doutorando no Programa de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mamadou decidiu
tornar a situação pública
depois de recusar a sentença branda da justiça baiana que determinou pagamento
de danos morais de apenas R$ 3 mil reais, sem exigência de retratação pública.
“Este valor corresponde à multa por um voo atrasado. Às vezes, os passageiros
recebem até mais que isso. É este o preço do racismo no estado com maior número
de negros fora do continente africano?”,
questiona.
Mamadou
destaca que, independente da decisão judicial nesta terceira instância, ele
considera que o debate e as reflexões que a situação trouxe para a sociedade um grande
avanço.
Na última semana, o Programa
Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) da UFBA e a
Aliança Francesa, instituição onde atuou como gestor entre os anos de 2017 e
2021, emitiram nota de solidariedade. “É mais um caso de racismo manifesto.
Infelizmente, o que torna esse ato desrespeitoso em uma necessidade de
retratação pública”, endossa a Aliança
Francesa, lembrando a obrigação do poder público de promover atos de reparação,
e o papel integrante e fundamental do Judiciário neste processo. “Nossa instituição está de
portas fechadas para o racismo ou qualquer outro ato discriminatório”, reiterou
o Conselho de Administração da Aliança Francesa de Salvador.
“É inconcebível que
casos de racismo continuem a vigorar em nossa sociedade, como também é preciso cobrar dos órgãos responsáveis a efetiva penalização daqueles que
insistem em perpetuar as práticas
racistas”, consta em trecho da
nota emitida pelo Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade da UFBA. O
caso e as injurias raciais proferidas contra Mamadou passaram a ser
acompanhados pelo Ministério Público e a expectativa é de que a promotora Lívia Maria Santana e Sant´Anna Vaz se manifeste nos próximos dias. “Esses
posicionamentos e movimentos da sociedade já trazem um reconhecimento público necessário. Já
vencemos por trazer o racismo para o debate público. A luta contra o racismo é
algo muito importante e eu seguirei com este compromisso onde tiver a negação
dos direitos de uma pessoa”,
promete Gaye.